The temple bell stops
but the sound keeps coming
Matsuo Bashô (1644 - 1694)
Exposição/ expressão
A minha hipótese de trabalho é que o labor do artista
incorpora, com o seu génio, o indizível da natureza, estrutura-o, por assim
dizer. De riscos, pinceladas, luz atirados porventura ao acaso, que o mesmo é
dizer, com a emoção do momento, o artista organiza aquilo que lá não está mas,
contudo, não pode estar noutro lugar -
finados os sinos do templo, continua a soar o seu som vindo das flores,
dizia-se em epígrafe. É, por isso, função do auditor, do lugar do auditório,
saber ouvi-lo, juntando todas as suas graças à emoção do artista.
Se a visão particular do observador, do lugar de observação,
é limitada, a expressão do significado do que está a ser visto pode até ser
dispensada, mas arte submetida ao olhar só alcança significado se é "terminantemente
expressa".
O objecto desta exposição é o revirar, na memória, do conceito de jardim limitado ao
lado exterior dos quintais das casas ou às bordas da cidade - sempre nas
margens, portanto! O fim, pouco interessa as ideias que se partilham com o
artista (só mesmo a este tal assunto pode interessar) é que cada um,
jardineiro, no lugar do jardim, siga com o seu caminho, continuando a surpreender-se
na natureza e na cultura.
Olhador/devir
Se o que está a ser visto é ilimitado, é o seu olhador (do
lugar de vigia) que, contemplando cada
obra que espera o que cada um faz com
aquilo que expressa, desvela ao autor o que realmente disse com a sua obra.
Por isso, o ato de criação é um devir. De todo o seu vagar,
o locutor (no seu lugar de falante)
governa o autor e o mundo que sobre os outros o autor construiu, com o silêncio
de que nasce a locução, a opinião crítica e que, por isso, não é ausência de comunicação. Assim recupera
o destinatário (do seu lugar de visitante) a posição de coprodutor de sentido e
reverte o autor para a posição de audiência (no seu lugar de ouvinte).
Afinal, a obra exposta não é apenas como a vê o seu autor,
mas é sobretudo o que ele lê (do lugar de leitura) nas narrativas dos outros. A
obra determina o contexto da hermenêutica exequível, mas o exercício, a escolha
interpretativa, é essência da liberdade
do público (do seu lugar comum).
Obrador/autoria
Um dos maiores prazeres retirados da escrita deste texto foi
a rememoração dos itinerários partilhados enquanto professores, porque o somos
ambos, enquanto obradores da aprendizagem alheia. Claro que a utilização de uma
palavra invoca um conjunto de ideias que se lhe associa e que ela implica. O
termo "obrador" evoca a ideia de obra e de obreiro, de artífice e de
artista. E tudo isto é Domingos Júnior, alguém que faz sair do seu trilho próprio
as competências artísticas que domina para as trocar de lugar e de papéis, de
as pôr ao serviço da vida e dos outros.
Se a obra de Domingos Júnior se oferece ao desfrute de quem
a contempla, como é o meu caso, pode bem ser porque cada pintura remete para um
reportório global de imagens de uma
certa realidade, ao mesmo tempo que evoca inventários pessoais da mesma
realidade. Que o mesmo é dizer, como se desenvolveu anteriormente, que face a
uma obra que traz em si um certo limite à interpretação e uma certa forma de
colocar o conhecimento da realidade , pode cada um ser coautor com a sua
interpretação, se a instar livremente com a forma particular de a pensar
ativamente.
E, no meu caso, a participação nesse processo de coautoria dos
"Jardins" de Domingos Júnior naturaliza-se nas memórias das
brincadeiras infantis e nas experiência fraturantes da juventude que mantive
longe do olhar dos adultos, nos espaços de fronteira da casa familiar, mas
afastado do seu conforto. Tal como o lembro, no meu jardim cada flor era
experiência de desafio, de beijo "roubado", de aventura e prazer. Um
prazer e uma vaidade poder revisitar os meus jardins no conforto estético dos
"Jardins" de Domingos Júnior.
Casimiro Pinto
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