quarta-feira, 3 de julho de 2013

Texto por Casimiro Pinto


The temple bell stops
but the sound keeps coming
out of the flowers[1]
Matsuo Bashô (1644 - 1694) 


Exposição/ expressão
A minha hipótese de trabalho é que o labor do artista incorpora, com o seu génio, o indizível da natureza, estrutura-o, por assim dizer. De riscos, pinceladas, luz atirados porventura ao acaso, que o mesmo é dizer, com a emoção do momento, o artista organiza aquilo que lá não está mas, contudo, não pode estar noutro lugar  - finados os sinos do templo, continua a soar o seu som vindo das flores, dizia-se em epígrafe. É, por isso, função do auditor, do lugar do auditório, saber ouvi-lo, juntando todas as suas graças à emoção do artista.
Se a visão particular do observador, do lugar de observação, é limitada, a expressão do significado do que está a ser visto pode até ser dispensada, mas arte submetida ao olhar só alcança significado se é "terminantemente expressa".
O objecto desta exposição é o revirar,  na memória, do conceito de jardim limitado ao lado exterior dos quintais das casas ou às bordas da cidade - sempre nas margens, portanto! O fim, pouco interessa as ideias que se partilham com o artista (só mesmo a este tal assunto pode interessar) é que cada um, jardineiro, no lugar do jardim, siga com o seu caminho, continuando a surpreender-se na natureza e na cultura.

Olhador/devir
Se o que está a ser visto é ilimitado, é o seu olhador (do lugar de vigia)  que, contemplando cada obra que espera  o que cada um faz com aquilo que expressa, desvela ao autor o que realmente disse com a sua obra.
Por isso, o ato de criação é um devir. De todo o seu vagar, o locutor (no seu lugar de  falante) governa o autor e o mundo que sobre os outros o autor construiu, com o silêncio de que nasce a locução, a opinião crítica e que, por isso,  não é ausência de comunicação. Assim recupera o destinatário (do seu lugar de visitante) a posição de coprodutor de sentido e reverte o autor para a posição de audiência  (no seu lugar de ouvinte).
Afinal, a obra exposta não é apenas como a vê o seu autor, mas é sobretudo o que ele lê (do lugar de leitura) nas narrativas dos outros. A obra determina o contexto da hermenêutica exequível, mas o exercício, a escolha interpretativa, é essência da liberdade  do público (do seu lugar comum).

Obrador/autoria
Um dos maiores prazeres retirados da escrita deste texto foi a rememoração dos itinerários partilhados enquanto professores, porque o somos ambos, enquanto obradores da aprendizagem alheia. Claro que a utilização de uma palavra invoca um conjunto de ideias que se lhe associa e que ela implica. O termo "obrador" evoca a ideia de obra e de obreiro, de artífice e de artista. E tudo isto é Domingos Júnior, alguém que faz sair do seu trilho próprio as competências artísticas que domina para as trocar de lugar e de papéis, de as pôr ao serviço da vida e dos outros.
Se a obra de Domingos Júnior se oferece ao desfrute de quem a contempla, como é o meu caso, pode bem ser porque cada pintura remete para um reportório  global de imagens de uma certa realidade, ao mesmo tempo que evoca inventários pessoais da mesma realidade. Que o mesmo é dizer, como se desenvolveu anteriormente, que face a uma obra que traz em si um certo limite à interpretação e uma certa forma de colocar o conhecimento da realidade , pode cada um ser coautor com a sua interpretação, se a instar livremente com a forma particular de a pensar ativamente.
E, no meu caso, a participação nesse processo de coautoria dos "Jardins" de Domingos Júnior naturaliza-se nas memórias das brincadeiras infantis e nas experiência fraturantes da juventude que mantive longe do olhar dos adultos, nos espaços de fronteira da casa familiar, mas afastado do seu conforto. Tal como o lembro, no meu jardim cada flor era experiência de desafio, de beijo "roubado", de aventura e prazer. Um prazer e uma vaidade poder revisitar os meus jardins no conforto estético dos "Jardins" de Domingos Júnior. 

Casimiro Pinto
Doutorado em Antropologia Visual


[1] Basho, Matsuo (1972). Basho. Tradução de Robert Fly. San Francisco: Mudra.

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